Essa passagem que aparece em Lucas 9.51-62, é bem curiosa e certamente chama a atenção de muitos.
A outro disse Jesus: Segue-me! Ele, porém, respondeu: Permite-me ir primeiro sepultar meu pai. Mas Jesus insistiu: Deixa aos mortos sepultar os seus próprios mortos. Tu, porém, vai e prega o reino de Deus (Lucas 9.59,60).
Antes de seguir a Jesus, o homem fez um pedido que parece ser legítimo, que cumpre ao mandamento de honrar pai e mãe (Êxodo 20.12; Deuteronômio 5.16). Contudo, a resposta de Jesus parece ser ríspida, insensível e talvez até desrespeitosa. Mas antes de tirar qualquer conclusão, é necessário analisar o texto com cuidado e com muita atenção.
Nesse texto, é evidente que Jesus não está querendo ensinar como é o mundo dos mortos, mas aquele dos vivos, daqueles que o seguem ou que pelo menos assim dizem querer fazer. Para responder a essa questão é importante fazer uso da arqueologia, que é uma das ciências que podem ajudar a esclarecer esse texto e contexto cultural.
Olhando com as lentes da cultura ocidental, dá-se a impressão que o pai desse homem estava morto, seu corpo em um velório e que ele estaria pedindo apenas algumas “horas” a Cristo para que pudesse seguir a cerimônia fúnebre e, logo em seguida, partir com o Senhor. Um pedido, a princípio, bastante justo para não ser atendido.
As dificuldades desaparecem quando se compreende, através do resgate arqueológico, o que significava, naquela época, e também ainda hoje em alguns idiomas como o árabe e o siríaco, a expressão “sepultar o meu pai”. Essa expressão trata-se de um idiomatismo que nem de longe indicava que seu pai havia morrido recentemente. Tanto o é que o episódio se dá “caminho fora” (Lc. 9:57). Se o pai do jovem tivesse morrido, o que estaria ele fazendo à beira da estrada junto com Jesus? Na verdade, essa expressão idiomática significava que o pai estava sadio e feliz e que seu filho prometera sair de casa apenas depois que ele morresse.
Além disso, segundo o costume oriental, quando o pai morria, o filho mais velho ficava encarregado do seu sepultamento, mas isso também não ocorria imediatamente após a sua morte. Primeiramente o corpo era banhado, perfumado e envolvido num lençol para ser depositado numa gruta tumular onde ficava deitado sobre uma cama de pedra por um ano ou mais, até que a carne houvesse completamente sido decomposta, restando apenas os ossos. Então, em tal dia (depois de um ano ou anos), o filho retirava a ossada de seu pai, colocando-a delicadamente num pequeno caixão de pedra (conhecido como ossuário) e, somente aí, tinha-se finalmente completado o “sepultamento”, isto é, vários meses ou anos após a morte do indivíduo. A figura 1 ilustra muito bem esse cenário.
Figura 1 – Tumbas na época de Cristo
Veja um exemplo de ossuário da época de Jesus:
Em Israel, dar um honroso sepultamento ao morto, era considerado tanto um dever quanto um ato de bondade (Mq 6.8), que tinha a mais elevada prioridade sobre os demais serviços que requeriam atenção. A piedade filial obrigava um filho a atender a esse ato final de devoção. Conforme Gn 25.9; 35.29; 49.28–50.3; 50.13,14,26; Js 24.29,30; etc. Não surpreende, pois, que esse homem solicitasse permissão para primeiro ir sepultar seu pai. Antes de seguir a Jesus, ele queria cuidar de seu pai até sua morte. De acordo com Lopes (2017, p. 326), esse pedido seria uma espécie de atraso indefinido. Depois de sepultar o pai, então, estaria pronto a segui-lo. Mas Jesus deixa claro que pregar o reino é a maior de todas as prioridades. Nenhuma outra agenda pode se interpor entre o discípulo e a pregação do evangelho do reino.
Com esse pano de fundo trazido dos estudos arqueológicos, o diálogo de Jesus com aquele jovem passa a ter outra dimensão. Esclarece-se a questão e torna o texto mais compreensivo e agradável de se ler, ficando evidente que o homem estava arrumando uma desculpa para não seguir a Jesus naquele momento. Quantas pessoas estão fazendo isso ainda hoje? Quantos jovens estão postergando a sua decisão de entregar a sua vida a Cristo? O chamado de Jesus é urgente, é para todos, é para HOJE! Não entregue a Jesus as sobras, se coloque inteiramente à sua disposição! Responda positivamente ao chamado como o profeta Isaías: “Eis-me aqui, envia-me a mim”.