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Satanás tem acesso ao céu?

A razão para o questionamento se Satanás (שָּׂטָ֖ן – satan) tem acesso ao céu, justifica-se pelo relato do texto do livro de Jó 1.6 e 2.1 que menciona uma reunião na qual os filhos de Deus (בְּנֵ֣י הָאֱלֹהִ֔ים – bney haElohim) apresentam-se diante do SENHOR (יהוה Yahweh). De acordo com o texto, Satanás também se apresenta a Deus, na mesma reunião. Observe o texto de Jó: 

Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se diante do Senhor, veio também Satanás entre eles.

Jó 1.6

Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se diante do Senhor, veio também Satanás entre eles apresentar-se diante do Senhor.

Jó 2.1

Para a maioria dos intérpretes bíblicos, a expressão “filhos de Deus”, representa os anjos de Deus, dessa forma, concluem que a reunião aconteceu no céu. Por isso, assumem que mesmo Satanás tendo sido expulso do céu, ainda tem acesso limitado, restrito, concedido apenas pela permissão de Deus.

Analisando o contexto geral das Escrituras, observa-se que Satanás era originalmente um querubim ungido, um dos anjos de Deus, mas por causa de sua rebelião e orgulho, foi expulso do céu (Lc 10.18). O texto de Apocalipse refere-se ao inimigo de Deus, usando diversos substantivos. Contudo, nenhum deles é um substantivo próprio. Em outras palavras, um nome próprio. Vamos analisar os termos: 

  1. Dragão δράκων (drakon): um animal representado com uma cauda de serpente com garras e com asas. Geralmente é uma figura mitológica, presente na história de várias civilizações. É como se fosse uma espécie de um lagarto gigante que solta fogo pela boca. No sentido figurado, é uma pessoa de má índole.  
  2. Antiga serpente  ὄφις ὁ ἀρχαῖος (ophis ho archaios): é uma referência à serpente que enganou Eva no jardim. 
  3. Diabo Διάβολος (diabolos): diabo também não é um nome próprio, significa caluniador ou acusador.
  4. Satanás Σατανᾶς (satanas): significa adversário, aquele que se opõe a Deus. 

            De fato, a Bíblia não se ocupa em dar ênfase ao diabo, ao inimigo de Deus. Ela é a Palavra de Deus que visa revelar o plano de Deus para a salvação da humanidade através de Seu Filho Jesus Cristo. A Bíblia é um livro sobre Jesus. No Antigo Testamento, Ele é prometido. Nos Evangelhos, Ele é revelado. Em Atos, Ele é pregado. Nas Epístolas, Ele é explicado. No Apocalipse, Ele é esperado. Alguns afirmam que o nome próprio dele é Lúcifer, no entanto, esse também não é um nome próprio dado pela Bíblia. Lúcifer nem sequer aparece na Bíblia em suas línguas originais, isto é, no grego e no hebraico. A palavra lucifer só existe em latim por conta de uma tradução da palavra estrela da manhã, feita por Jerônimo, a partir do texto de Isaías 14.12: “Quomodo cecidisti de caelo, lucifer, fili aurorae?” (Is 14.12, Vulgata Latina). 

            Em hebraico a expressão “estrela da manhã, filha da alva” (Is 14.12), que é usada para identificar o querubim ungido, que se rebelou contra Deus e arrastou consigo a terça parte das estrelas é,  הֵילֵל בֶּן־שָׁחַר(hêylêl ben-shâchar). A palavra הֵילֵל (hêylêl) vem da raiz de hallel, que significa louvar, que por sua vez deriva a palavra  הַלְלוּ־יָהּ (halleluYah), que significa literalmente, “louvai a Yahweh”. A referência ao querubim mostra qual era a atividade dele,הֵילֵל בֶּן־שָׁחַר (hêylêl ben-shâchar), significa, literalmente, “aquele que louva a Deus como primeira atividade do dia”. Portanto, antes da queda, esse querubim tinha a função de louvar a Deus. Agora você entendeu porque o inimigo de nossas almas não suporta o Louvor a Deus? Nós somos a coroa da criação, criados para o louvor de Sua glória. Quando você diz: Aleluia, está dizendo que só Deus Yahweh é digno de ser louvado. 

            Dentre os adjetivos apresentados pela Bíblia, Satanás (adversário, inimigo) e diabo (caluniador, acusador) são os mais comuns e denotam a natureza do seu trabalho: “acusador de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e de noite diante do nosso Deus” (Ap 12.10).

            O livro de Jó é considerado pelos estudiosos como o mais antigo do ponto de vista cronológico, e, Apocalipse, o mais novo. Então, vemos que Satanás acusou Jó desde o início e continuará acusando os fiéis até o fim (Ap 12.10). Contudo, um dia, o acusador será lançado no lago de fogo e nenhuma de suas acusações serão mais ouvidas diante de Deus. Apesar das acusações de Satanás, hoje temos o sangue de Cristo, que nos purifica de todo o pecado. Ele nos justifica diante de Deus.    

Então ouvi uma voz forte no céu, proclamando: “Agora veio a salvação, o poder, o reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo, pois foi expulso o acusador de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e de noite diante do nosso Deus.

Apocalipse 12.10

O diabo, que os tinha enganado, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde já se encontram a besta e o falso profeta; e serão atormentados de dia e de noite, para todo o sempre. 

Apocalipse 20.10

Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu, ou melhor, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós.

Romanos 8.33,34

Se andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado.

1 João 1.7

Até que Satanás seja lançado no lago de fogo, parece que ainda tem acesso restrito ao céu ou à presença de Deus. Em Jó 1.6, Satanás está diante de Deus. Em 2 Crônicas 18.18-21 há outra reunião que envolve um “espírito enganador”, que se apresentou numa reunião do conselho divino, quando Deus estava sentado em seu trono. Em Zacarias 3.1 também há uma cena onde Satanás busca acusar o sumo sacerdote Josué na presença do Senhor ou do Anjo do Senhor. Em Apocalipse 12.10, somos informados que ele acusa os fiéis 24 horas por dia. 

Como Deus sendo santo, e, absolutamente sem pecado (Is 6.3), que nem sequer olha para o mal (Hc 1.13) pode aceitar a Satanás em sua presença, no céu? 

Para responder a essa pergunta, vamos considerar a soberania de Deus. Em Jó 1, Satanás ficou diante de Deus para prestar conta de si mesmo. Deus está no trono, Deus está no comando e até mesmo Satanás deve prestar contas de seus atos. Deus iniciou o encontro, conduziu os procedimentos e permaneceu no controle absoluto (Jó 1.7). O resultado mostra que o poder de Satanás é limitado (Jó 1.12). Ele só pode agir diante da permissão de Deus. E, finalmente, o Senhor foi glorificado.

Vamos considerar mais alguns pontos: 

  1. Satanás não tem livre acesso à presença de Deus;
  2. As visitas são temporárias. Seu tempo diante do trono de Deus é limitado;
  3. Deus não é manchado pela presença do imundo (diabo). Lembre-se que quando Jesus tocava os leprosos (imundos cerimonialmente), Jesus não ficava impuro, pelo contrário, ele purificava o impuro. O diabo não pode afetar a Deus. Da mesma forma que o diabo não pode tocar aquele que é nascido de Deus (1 Jo 5.18); 
  4. O acesso de Satanás só é concedido antes do julgamento final. Após o julgamento, Deus cria um novo céu e nova terra (Ap 21.1), limpa todas as lágrimas dos nossos olhos (Ap 21.4), revela a Nova Jerusalém (Ap 21.10) e promete a total ausência do pecado (Ap 21.27).
  5. Quando dizemos: “no céu não entra pecado”, nos referimos que lá não permanece nada que o contamine. No entanto, é possível que Deus ordene que um ser pecaminoso se mantenha (temporariamente) em Sua presença para comissioná-lo (Is 6), para exigir uma prestação de conta (Jó 1-2) ou para julgá-lo (Ap 20.11-15) sem comprometer a Sua santidade.

            Todos os ímpios e pecadores irão comparecer diante do trono de Deus para serem julgados, mas ninguém poderá afetar a Santidade divina. Então, de fato, não importa onde se deu a reunião, se no céu ou em algum lugar do universo. O importante é que Deus é soberano, está no controle de tudo. Além disso, Cristo é o nosso advogado. Nenhuma condenação há para aqueles que estão em Cristo Jesus. Aleluia!

REFERÊNCIAS

BARRY, J. D., MANGUM, D., BROWN, D. R., HEISER, M. S., CUSTIS, M., RITZEMA, E., WHITEHEAD, M. M., GRIGONI, M. R., & BOMAR, D. Faithlife Study Bible (Ap 12.10). Lexham Press, 2016. 

COURSON, J. Jon Courson’s Application Commentary. Thomas Nelson, 2003. 

KISTEMAKER, S. Apocalipse. 2a edição. Editora Cultura Cristã, 2014. 

LAWSON, S. J. Job. B&H Publishing Group, 2005. 

Paul, I. Revelation: An Introduction and Commentary. Inter-Varsity Press, 2018. 

POHL, A. Comentário Esperança, Apocalipse de João. Editora Evangélica Esperança, 2001. 

ROSSI, L. A. S. O Livro de Jó: A falsa Religião e a Amizade Enganadora. Fonte Editorial, 2015.